A descoberta do barro e a invenção da cerâmica é tão significativo para nós como a descoberta de como fazer fogo. Com o desenvolvimento da cerâmica que, sabemos hoje, é bem mais remoto no tempo que o advento do neolítico, desenvolveu-se também a capacidade de armazenar comida na forma de cereais, essencialmente. Com esta capacidade foi possível sustentar populações mais numerosas e o crescimento demográfico tornou-se uma realidade para uma espécie que há cerca de 150 mil anos terá estado em perigo de extinção: o Homo Sapiens.
Sabemos também, que o uso de argilas é bem mais profundo no tempo. O contacto com o barro parece recuar até ao tempo das migrações “Out of Africa”, em que o Homo Sapiens procurava, deslocando-se para norte, atravessando o Mar Vermelho (muito mais baixo à época) terras de prosperidade onde fosse possível a sobrevivência. Ocres de várias cores, na forma de barras, foram encontrados em cavernas, escondidos em buracos. Muito provavelmente serviriam, como acontece ainda hoje em muitos locais do mundo, incluindo África, para decorar o corpo, cumprindo uma função cerimonial, provavelmente, mas também exibindo um sentido estético que nos é inato. A arte parece estar connosco desde que nos levantamos para usar as “patas da frente”, as nossas mãos, as mesmas que produziram as extraordinárias pinturas das grutas de Altamira e Lascaux, como também as belas gravuras de Vila Nova de Foz Côa.
A arte não só pode contribuir para a mudança, como já o fez, desde o início. Hoje, como desde há já algumas décadas, existem projetos artísticos de proximidade com as populações em várias regiões do mundo. A arte já foi instrumento de privilegiados mas, é hoje, ferramenta para a emancipação social e para a aproximação entre classes.
Que material posso eu usar para que possa contribuir para a ideia de mudança associada à arte?, perguntei-me, quando a “francisco simões MULTIMÉDIA” me convidou a criar um “prémio” para esta exposição. O barro, pensei, que por ação do calor se transforma em cerâmica levando objetos com milhares de anos a atravessar o tempo carregando consigo histórias de sobrevivência, humanidade e civilização.
Estes pilaretes paralelepipédicos a duas cores são, assim, portas. Portas para a condição humana na relação com o mundo. Portas que se abrem em cor, textura e forma, na linguagem da arte porque ela, a arte, nos é tão natural como amar.
Carlos Ribeiro
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