“(…) Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.”
Luís Vaz de Camões (c.1524-1580)
Pede-me o Américo umas linhas sobre esta exposição e… um percurso e um fraterno convívio iniciado há pouco mais de sete anos. Quantos caracteres, pergunto logo, esquecendo-me que ele é da imagem, antes de tudo…
Claro que não consigo dizer que não a este “calmeirão de alma lírica” como o Paulo Sucena um dia chamou a Adriano Correia de Oliveira (os/as mais velhos(as), por favor contextualizem), a este incessante construtor da magia e do rigor de disponibilizar às moças e aos moços seus alunos os instrumentos para poderem vir a ser cidadãos de pleno direito, intervenientes e críticos, interventivos e não moldáveis ao todo poderoso “grande-irmão” de que falava George Orwell (1903-1950) que manipula a espécie humana, qual grande rebanho planetário, hoje completamente ao serviço de um regime neo-liberal onde os nomes deram lugar aos números. Por isso um dia numa inauguração lhe dediquei aquela frase Berthold Friedrich Brecht (1898-1956) sobre a imprescindibilidade dos que lutam toda a vida. Mas isto sem número de caracteres é perigoso, por isso vamos ao que interessa, depois deste introito.
Tudo começou em 2014. A exposição comemorativa do 25 de Abril de 1974 que tinha, pelo terceiro ano consecutivo a incumbência de, com o apoio inventivo do João Santos, conceber, planear, realizar – curadoria, como agora é usual – este ano ia ser diferente!
Nos dois anos anteriores fizera-se coisas inéditas na Oficina de Cultura: desde pintar um petroleiro com 10 metros nas paredes da oficina e estender uma faixa com mais de cinco metros para celebrar o direito ao trabalho ou convidar gente de referência no mundo do trabalho como Manuel Carvalho da Silva ou Manuel Macaísta Malheiros. Ou ocupar parte significativa dos 300 m2 da Oficina de Cultura com poemas de/para canções de José Afonso, Manuel Alegre ou Sophia de Mello Breyner Andresen e ter como convidados Francisco Louçã… mas os jovens não estavam presentes…
E então surgiu a ideia, que propusemos, de convidar as escolas – os A E Anselmo de Andrade e Emídio Navarro, as duas escolas que expunham periodicamente na Oficina, de serem parceiros. Ganhos os docentes para o projecto, o Rui Silvares e o António Sales estes propuseram que o convite fosse extensível ao Américo, que assim chegou à Oficina para não mais sair. Então puseram mãos à obra e de repente temos 40 jovens a viver por dentro a magia libertadora do 25 de Abril: desde a forma orgulhosa como meses depois envergam a t-shirt evocativa ou como efusivamente prestavam declarações à TV Almada; eles, os artífices do Exposição Comemorativa do 25 de Abril de 1974 em Abril de 2014 foram os protagonistas da mudança! Na Oficina de Cultura iniciava-se um novo período, um novo caminho! Mudança de paradigma, remando contra a maré de falta de incentivo relativamente ao trabalho com a comunidade educativa, o que representou uma poderosa inovação, renovando a programação da Oficina de Cultura, fazendo da experimentação – como a designação do Equipamento indica - uma característica decisiva do que o Oficina de Cultura é hoje em que esta se abriu à comunidade educativa, não perdendo a sua relação com o movimento associativo antes fortalecendo-a numa íntima relação a três que para todos foi benéfica.
Começou então um percurso e a participação em que o Américo e os seus alunos quase se tornaram uma presença residente desde a data referida. Foi assim que em sete anos o Curso Profissional de Técnico de Multimédia realizou quatro exposições – e este ano assim, como em 2019, no âmbito do “Março à Solta”, exposições iniciadas com “Morto Vivo” e que têm sido uma referência e um dos pontos altos numa programação com 17 a 18 exposições e eventos realizados anualmente neste Equipamento da CMA. Mas já anteriormente tinham realizado uma exposição no âmbito do “Mês da Fotografia”, participaram em sete edições da Exposição Comemorativa do 25 de Abril e uma edição conjunta com os agrupamentos referidos – Emídio Navarro e Anselmo de Andrade, referimo-nos a “Almada Futurista” - o que significa 13 exposições de sua responsabilidade ou em parceria. Todavia participaram ainda em duas edições de “Vídeo em Contexto Educativo”, do AE Emídio Navarro, cinco edições da exposição anual da Associação Amigos da Cidade de Almada e uma edição da “Mostra de Filatelia e Coleccionismo”, o que perfaz um total de 21 exposições!
“Esta é a madrugada que eu esperava“
A exposição deste ano, prevista inicialmente para estar patente de 20 de Março a 5 de Abril, adiada devido à pandemia e com uma versão online na altura apresentada, acabou por se realizar entre 8 e 25 de Julho. Composta por onze módulos, iniciava com imagens do conhecido poema de Sophia “Esta é a madrugada que eu esperava (…)”, 27 palavras que 27 alunos(as) colocaram noutros tantos locais – no exterior das suas casas e na sua escolas. Seguem-se duas mesas expositivas com objectos que terão significado mudança na vida para 35 alunos, nomeadamente passaportes de jovens oriundos de países de língua oficial portuguesa, como Cabo Verde ou S. Tomé e Príncipe, com os respectivos textos, por vez pungentes.
Segue-se um módulo surgido devido à falta de leitura e consequente dificuldade de escrita, onde um concurso bem contextualizado, para além de aceder às respostas, premiava o vencedor com uma peça de cerâmica de Carlos Ribeiro. Em seguida surgiam 16 fotos de alunos de Educação Especial do AE Francisco Simões, citando no final Fernando Pessoa “Quanto mais diferente de mim alguém é, mais real me parece, porque menos depende da minha subjectividade”, realçando que independentemente do resultado artístico final o importante é o percurso, a participação.
O módulo seguinte, outro instalação fotográfica, intitulada “SAPERE AUDE”, expressão atribuída a Kant (1724-1804), que significa “Atreve-te a conhecer-te”, “Ousa Saber”, paradigma do Iluminisno que conduziria o homem à saída da sua menoridade, referindo no texto de apoio que as crenças, dogmas, preguiça, cobardia, comodismo intelectual não permitem sair da menoridade, onde as “discriminações, sejam sociais, culturais, étnicas, políticas, religiosas, sexuais ou etárias” devem ser combatidas. Neste módulo os alunos apresentam vários exemplos de discriminação detectados entre eles, em meio escolar.
Outro dos módulos apresenta uma instalação fotográfica em PCs, LCDs, intitulada “Minimalismo – cor, objecto, forma, textura” onde apresenta a relação da imagem estática com a imagem em movimento, fruto de um concurso de fotografia realizado. O seguinte “As pontes que servem para ligar margens”, trata-se de uma instalação vídeo mapping e objectos artísticos prodizidos pelos alunos do Ensino Especial do ZAZZO, como refere a docente desta instituição Luísa Becho: “A verdadeira inclusão acontece quando aprendemos com as diferenças e não com as igualdades”.
Outro módulo é o resultado de intervenção e workshop fotográfico realizado pelos alunos do Curso Profissional de Técnico de Multimédia do AEFS na Casa de Repouso Solar de Santa Margarida, na Sobreda de Caparica, onde terá acontecido uma interação fraterna entre discentes e idosos, que as fotos dos alunos e dos idosos – na sessão final – documentam bem como a projecção da sessão de fado ao vivo.
“Desambiguação”, instalação artística de um conjunto de aquários, onde está patente a crítica social e o papel que o homem tem tido na destruição dos ecossistemas através da poluição, sobretudo nas últimas décadas, e que nos remete para a excelente exposição “Morto.Vivo”, realizada em 2017.
Na parte final encontramos a instalação fotográfica “Da porta da minha casa vejo a mundo” que nos remete para o contexto imagético no espaço adjacente às casas dos alunos e “Subtilezas metafísicas”, instalação com objectos impressos em 3D e fotografia em que, a partir de seis pinturas de seis pintores são recriados por outros tantos alunos com recurso a maquetes 3D é apresentado o resultado da reflexão artística transposta para a actualidade a partir das obras, dos artistas e das respectivas épocas.
“ARTE=MUDANÇA” é mais uma excelente exposição coordenada por Américo Jones e equipa docente do Curso Profissional de técnico de Multimédia, fruto de um trabalho rigoroso realizado com os discentes que nos propõem percorrer diversificados caminhos onde a criação artística intervém directamente como factor de mudança para se construirem pontes, caminhos para a sociedade mais justa e mais fraterna que era e é o ideário apontado como meta – sempre em construção - pelo 25 de Abril.
Voltamos ao 25 de Abril, que há sete nos levou a trabalhar juntos, em liberdade, com a liberdade conquistada em 1974.
Eduardo M. Raposo
(Doutor em História Cultural e das Mentalidades Contemporâneas, Investigador,
Técnico Superior da Administração Local)
Este texto não foi escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico
Olá ... Como não consegui ir, nem poderei ir, nos tempos mais próximos... inscrita sei as notícias todas!
Excelente artigo! Bem hajas, Eduardo!